terça-feira, 20 de março de 2012

Sabedoria de João Guimarães Rosa: Há que se desendoidecer!! Grande Sertão: Veredas

     João Guimarães Rosa é um grande, grande escritor. Antes de se render à escrita, cursou medicina e foi médico por uns tempos. Inteligentíssimo, sabia inúmeras línguas, além de ter familiaridade com a gramática de cada uma delas. Um homem especial e iluminado que amava os pássaros, as garças, as terras de Minas, os sertões. Sua prosa tem asas, tamanho o número de pássaros. Não tem nada igual.  Entrei em contato com esse texto de alto impacto, no Simpósio de Psicologia e Religiosidade, em 2007, na UNIP. Estava na sala de supervisão de Gilberto Safra, outro professor e psicanalista fabuloso. Ouvi o texto de Guimarães Rosa pela voz forte de Kleber Duarte, outro professor cheio de força de vida. Nunca mais esqueci e, sempre que possível, abro o livro novamente para beber desta preciosidade. É energia em estado puro.
    O texto deixa marcas, vai fluindo pelas nossas células, fazendo parte de nosso ser. Sempre uso Guimarães Rosa quando tenho um trabalho em grupo, porque sinto que há algo em sua narrativa que cria movimento, chega perto de nossas raízes, traz conforto ao nosso corpo-alma e nos torna compassivos em relação a nossa condição humana. Espero que você aprecie,
Rosana L. Destro Keppe, psicóloga / Transpsicanálise



"Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara loucura. No geral. Isso é que é a salvação da alma… Muita religião, seu moço! Eu cá não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. (...) Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há de a gente perdidos no vaivém, e a vida é burra. (...) Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada - erra rumo, da em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. Acho que o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada: quando ruma para tristeza e morte, vai não vendo o que é bonito e bom."
Guimarães Rosa (1908-1967) 
(Grande Sertão: Veredas)

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