quarta-feira, 21 de março de 2012

Fragmentos de um Evangelho Apócrifo - Borges

Fragmentos de um Evangelho Apócrifo,
Jorge Luis Borges

3. Desventurado o pobre de espírito, porque sob a terra será o que agora é na terra.
4. Desventurado aquele que chora, porque já tem o hábito miserável do pranto.
5. Ditosos os que sabem que o sofrimento não é uma coroa de glória.
6. Não basta ser o último para ser alguma vez o primeiro.
7. Feliz aquele que não insiste em ter razão, porque ninguém a tem ou todos a têm.
8. Feliz aquele que perdoa aos outros e aquele que perdoa a si mesmo.
9. Bem aventurados o s que não têm fome de justiça, porque sabem que nossa sorte, adversa ou piedosa, é
    obra do acaso, que é inescrutável.
11. Bem-aventurados os misericordiosos, porque sua felicidade está no exercício da misericórdia e não na
      esperança de um prêmio.
12. Bem-aventurados os de puro coração, porque vêem Deus.
13. Bem-aventurados os que padecem perseguição por causa da justiça, porque lhes importa mais a justiça 
      que seu destino humano.
14. Ninguém é o sal da terra; ninguém, em algum momento de sua vida, não o é.
15. Que a luz de uma lâmpada se acenda, embora nenhum homem a veja. Deus a verá.
16. Não há mandamento que não possa ser infringido, e também os que digo e os que os profetas disseram.
17. Aquele que matar pela causa da justiça, ou pela causa que ele crê justa, não tem culpa.
18. Os atos dos homens não merecem nem o fogo nem os céus.
19. Não odeies teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum modo seu escravo. Teu ódio nunca será melhor que tua paz.
20. Se te ofender tua mão direita, perdoa-a, és teu corpo e és tua alma, e é árduo, ou impossível, precisar a fronteira que os divide...
24. Não exageres o culto da verdade; não há homem que no fim de um dia não tenha mentido com razão muitas vezes.
25. Não jures, porque todo juramento é uma ênfase.
26. Resiste ao mal, mas sem assombro e sem ira. A quem te ferir na face direita, podes oferecer-lhe a outra, sempre que não te mova o temor.
27. Não falo de vinganças, nem de perdões; o esquecimento é a única vingança e o único perdão.
28. Fazer o bem a teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens.
29. Fazer o bem a teu inimigo é o melhor modo de agradar a tua vaidade.
30. Não acumules ouro na terra, porque o ouro é pai do ócio, e este, da tristeza e do tédio.
31. Pensa que os outros são justos ou o serão, e, se não é assim, não é teu o erro.
32. Deus é mais generoso que os homens e os medirá com outra medida.
33. Dá o santo aos cães, atira tuas pérolas aos porcos; o que importa é dar.
34. Procura pelo prazer de procurar, não pelo de encontrar...
39. A porta é a que escolhe, não o homem.
40. Não julgues a árvore por seus frutos nem o homem por suas obras; podem ser piores ou melhores.
41. Nada se edifica sobre a pedra, tudo sobre a areia, mas nosso dever é edificar como se fosse pedra a areia.
47. Feliz o pobre sem amargura ou o rico sem soberba.
48.Felizes os valentes, os que aceitam com ânimo semelhante a derrota ou os aplausos.
49. Felizes os que guardam na memória palavras de Virgílio ou de Cristo, porque estas darão luz a seus dias.
50. Felizes os amados e os amantes e os que podem prescindir do amor.
51. Felizes os felizes.
Jorge Luis Borges, escritor argentino
in O Elogio da Sombra, página 73

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