sexta-feira, 2 de março de 2012

Afinal, o que é psicanálise?


O QUE É PSICANÁLISE
 
                                             
                                               por Elisabeth Roudinesco,
                                                                                                       historiadora e psicanalista francesa

      "A Psicanálise é um termo criado por Sigmund Freud, em 1896, para nomear um método particular de psicoterapia (ou tratamento pela fala) proveniente do processo catártico (catarse) de Josef Breuer e pautado na exploração do inconsciente, com a ajuda da associação livre, por parte do paciente, e da interpretação, por parte do psicanalista.

Por extensão, dá-se o nome de psicanálise:

1. ao tratamento conduzido de acordo com esse método;
2. à disciplina fundada por Freud (e somente a ela), na medida em que abrange um método terapêutico, um sistema de pensamento e uma modalidade de transmissão do saber (análise didática, supervisão) que se apóia na transferência e permite formar praticantes do inconsciente;
3. ao movimento psicanalítico, isto é, a uma escola de pensamento que engloba todas as correntes do freudismo."

       Como sublinha Henri F. Ellenberger, a psicanálise é herdeira dos antigos tratamentos magnéticos inaugurados por Franz Anton Mesmer, que deram origem, no fim do século XIX, através dos debates sobre a hipnose e a sugestão, à segunda psiquiatra dinâmica. Todavia, dentre todas as escolas de psicoterapia derivadas de Hippolyte Bernheim e da Escola de Nancy, ela foi o único método a reivindicar o inconsciente e a sexualidade como os dois grandes universais da subjetividade humana. No plano clínico, ela é também a única a situar a transferência como fazendo parte dessa mesma universalidade e a propor que ela seja analisada no próprio interior do tratamento, como protótipo de qualquer relação de poder entre o terapeuta e o paciente e, em caráter mais genérico, entre um mestre e um discípulo. Sob esse aspecto, a psicanálise remete à tradição socrática e platônica da filosofia. Por isso é que empregou o princípio iniciático da análise didática, exigindo que se submeta à análise qualquer um que deseje tornar-se psicanalista.
          Na historiografia oficial, formulou-se uma versão lendária do nascimento da psicanálise, atribuindo sua origem a duas mulheres: Bertha Pappenheim e Fanny Moser. À primeira, tratada por Josef Breuer, atribuiu-se a invenção da terapia pela fala, e da segunda, tratada por Freud, disseram que ela permitiu a invenção de uma clínica da escuta, obrigando o médico a renunciar à observação direta e a se manter recuado, atrás do paciente. Essa lenda, na qual se mesclaram os nomes dos dois autores dos Estudos sobre a histeria, veicula uma genealogia da psicanálise que não é estranha aos enunciados freudianos. Com efeito, Freud foi o iniciador de uma inversão do olhar médico que consistiu em levar em conta, no discurso da ciência, as teorias elaboradas pelos próprios doentes a respeito de seus sintomas e seu mal-estar. Mediante essa reviravolta, a psicanálise esteve na origem dos grandes trabalhos históricos do século XX sobre a loucura e a sexualidade.
          Foi num artigo de 1896, redigido em francês e intitulado "A hereditariedade e a etiologia das neuroses", que Freud empregou pela primeira vez a palavra psico-análise: "Devo meus resultados ao emprego de um novo método de psico-análise, ao processo explorador de Josef Breuer, um tanto sutil, mas impossível de substituir , a tal ponto ele se mostrou fértil para esclarecer as obscuras vias da ideação inconsciente."
           (...) Já em 1910, em "As perspectivas futuras da terapia psicanalítica", Freud delimitou um enquadre "técnico" para a análise, afirmando que esta tinha por objetivo vencer as resistências. Essa tese seria discutida muitas vezes, e os problemas da técnica seriam objeto de diversos outros artigos, além de debates e cisões na história do movimento psicanalítico, desde Sandor Ferenczi até Jacques Lacan.
           Foi em 1922, em "Dois verbetes de enciclopédia: (A) Psicanálise, (B) Teoria da Libido", que Freud deu sua definição mais precisa do contexto da análise, sublinhando que seus "pilares" teóricos eram o inconsciente, o complexo de Édipo, a resistência, o recalque e a sexualidade: "Quem não os aceita não deve incluir-se entre os psicanalistas."
          Se os freudianos de todas as tendências sempre concordaram em se reconhecer nessa definição da psicanálise, nem por isso deixaram de combater uns aos outros e de se dividir quanto à questão da técnica psicanalítica e da análise didática.
           Inspirando-se no modelo darwinista, Freud quis incluir a psicanálise entre as ciências da natureza, ou, pelo menos, conferir-lhe um estatuto de ciência dita "natural". Ora, como herdeira das medicinas da alma, ela decorria de uma outra tradição da ciência, segundo a qual a arte de curar consiste menos em provar a validade de uma dedução do que em elaborar um discurso capaz de dar conta de uma verdade simbólica e subjetiva. E foi justamente por causa dessa dupla pertença da psicanálise (ao campo das ciências a natureza e ao das artes da interpretação) que sua chamada refutação "cientifífica" produziu-se no campo da terapêutica. Dentre essas refutações figura a de Karl Popper (1902-1994), em 1962, na qual se apoiaria toda a historiografia revisionista, que tentaria mostrar que a doutrina freudiana reduz-se a uma simples hermenêutica e que seu método é uma técnica xamanística de influência, que consiste em agir sobre o doente por simples sugestão.
              Essa argumentação não era nova e, já em 1917, no capítulo de suas Conferências introdutórias sobre psicanálise dedicado à terapêutica psicanalítica, Freud havia tentado dar-lhe uma resposta, insistindo mais uma vez na distância radical que separava a psicanálise de todos os outros métodos de psicoterapia baseado na sugestão. Em especial, ele refutou a idéia de que o médico, no tratamento pela fala, pudesse sugestionar o doente; nesse campo, ele reivindicava uma racionalidade baseada na interpretação verdadeira, sublinhando que a solução dos conflitos e a supressão das resistências (a "cura") só vinham quando o terapeuta estava em condições de dar ao paciente representações dele mesmo que correspondessem à realidade: "Aquilo que, nas suposições do médico, não corresponde a essa realidade é espontaneamente eliminado no decorrer da análise, devendo ser retirado e substituído por suposições mais exatas."
              A história da Psicanálise mostra que as resistências erguidas contra ela, bem como seus conflitos internos, sempre foram o sintoma de seu progresso atuante, de sua propensão a fabricar dogmas e de sua capacidade de refutá-los."

Referências Bibliográficas:

Roudinesco, Elisabeth e Plon, Michel: Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor, 1998



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