quarta-feira, 4 de abril de 2012

Pessach: Entre a liberdade e a escravidão: reflexão de Bernardo Sorj


Profundos os textos sobre o Pessach, de Bernard Sorj, sociólogo. 
Compartilhamos estas mensagens, desejando a todos uma Páscoa libertadora, profunda em insights, com a reflexão sobre todos os tipos de escravidão ao qual estamos sujeitos atualmente e, em relação aos quais, precisamos agir, pois viver é estar em constante travessia.

Páscoa integral a todos,

Marc André da Rocha Keppe e Rosana Luíza Destro Keppe
Instituto Brasileiro de Transpsicanálise S/C Ltda.

                                                 Pessach 5772/ 2012  
                                               Entre a liberdade e a escravidão


Indicamos para leitura:
estudosjudaicos.blogspot.com
blog: amaivos@uol.com.br

Texto de Bernardo Sorj, sociólogo
           No deserto, toda a comunidade de Israel reclamou a Moisés e Arão. Disseram-lhes os israelitas: "Quem dera a mão de Deus não nos tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e comíamos pão à vontade, mas você nos trouxeram a este deserto para fazer morrer de fome toda esta multidão! " (Êxodo 16)

       Porque viver é uma luta constante entre liberdade e escravidão, entre a liberdade que nos deixa inseguros, e o desejo de segurança que limita nossa liberdade. Pessach nos lembra de que a vida é uma travessia:

Entre o medo ao desconhecido que pode nos mudar.
E a curiosidade e a coragem de abrirmos para novos pensamentos e experiências.
Entre as expectativas dos outros,
E agir de acordo com o que consideramos certo e errado.
Entre a insegurança que não nos permitem reconhecer nossos limitações,
E a ironia que nos permite rir de nossa forma de ser.
Entre a fixação no trauma,
E sua superação.
Entre as vitrines externas,
E a vida interior.
Entre se queixar,
E agir.
Entre o dogmatismo.
E a abertura à opinião dos outros.
Entre ter
E ser.
Entre contemplar
E possuir.
Entre querer tudo
E estar satisfeito com o que se tem.
Entre o supérfluo
E o essencial.
Entre impor
E dialogar.
Entre falar
E ouvir.
Entre um passado que nos oprime
E um passado que nos ensina.
Em Pessach aprendemos que o opressor tem delírios de onipotência e, para impor sua vontade, quer dominar e controlar os outros para que se ajustem ao seu desejo; mas, como seres humanos, somos finitos e mortais.
E porque somos finitos e mortais,
não controlamos o mundo.
E porque somos finitos e mortais.
vivemos na incerteza.
E porque somos finitos e mortais.
temos medos, inseguranças e carências afetivas.
E porque somos finitos e mortais.
o outro é uma fonte de aprendizagem, apoio e alteridade.
E, como judeus, devemos sempre lembrar que Pessach nos ensina:
Que fomos perseguidos e nunca devemos perseguir.
Que fomos humilhados e não devemos humilhar.
 Que fomos estigmatizados e não devemos estigmatizar.
 Que fomos oprimidos e não devemos oprimir.
 Que fomos confinados em guetos e ninguém deve viver em favelas.
 Que toda escravidão termina em luta pela liberdade.
Por isso em Pessach festejamos nossa disposição a sermos livres sem ocultar nem negar nossos medos, inseguranças e carências, e afirmamos nossa vontade de amar e aprender, e os valores da liberdade e da justiça.
Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze.
Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.

Bernardo Sorj
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Pessach 5771/2011



Cada ano festejamos Pessach porque a liberdade, para os indivíduos e para a sociedade, é sempre uma travessia, nunca um ponto de chegada, e ela só é possível porque se alimenta do exemplo e das lutas das gerações passadas.

Pessach é um momento de reflexão sobre o que nos faz escravos, permitindo que a opressão se instale no nosso interior e nas nossas relações. Por isto festejar a liberdade exige refletir sobre a servidão, sobre o Faraó que cada um leva dentro de si.


• O Faraó que só percebe a si mesmo.
• O Faraó que deseja que os outros o obedeçam.
• O Faraó que não aceita que cada pessoa é diferente.
• O Faraó que julga antes de compreender.
• O Faraó que divide tudo em certo e errado.
• O Faraó que fala para não ouvir.
• O Faraó que teme idéias diferentes das suas.
• O Faraó que ri dos outros sem ser capaz de rir de si mesmo.
• O Faraó que confunde solidez com rigidez.
• O Faraó que critica e não aceita ser criticado


Pessach nos lembra de que o poder material, econômico ou político, não deve ser confundido com o poder de ser internamente livre. Porque a liberdade não se compra nem se impõe, só pode ser construída por cada um e na convivência, inspirando-se em exemplos, mas seguindo caminhos que são sempre singulares. Por isso:


• Só a liberdade nos leva a valorizar perguntas que questionam nossas certezas e a duvidar de respostas que confirmam nossas crenças.
• Só a liberdade nos permite amar nossos seres queridos sem querer transforma-los em espelhos de nós mesmos.
• Só a liberdade nos permite levar a vida a sério, sem nunca deixar de brincar.
• Só a liberdade nos permite aprender coisas diferentes que questionam nossas crenças.
• Só a liberdade nos permite entender nossas mudanças e das pessoas que nos circundam.
• Só a liberdade nos ensina que a vida nunca se reduz ou pode ser contida em leis e conceitos aparentemente rigorosos.
• Só a liberdade nos dá o sentido da ironia e do humor.
• Só a liberdade nos permite entender que toda fronteira usada para classificar os outros é precária e que nunca deve ser transformada numa forma de desclassificar.
• Só a liberdade permite que a tradição seja uma fonte de sabedoria e não uma camisa de força.


A afirmação da liberdade é um caminho que exige rompimentos e distanciamentos de um mundo conhecido e aparentemente seguro. Mas nada pode eliminar a angustia nem as incertezas. Ou nos refugiamos na repetição mecânica e em crenças cegas que sufocam a curiosidade, fogem do desconhecido e temem o que está fora de nosso controle, ou as transformamos numa energia que nos impele a descobrimentos e que nos faz crescer, transformando a vida num processo de aprendizagem permanente.
Só podemos lutar contra a servidão se enfrentamos o opressor e o oprimido que cada um de nos carrega. Porque a escravidão individual é produzida por traumas que nos deixam inseguros e por medos que nos paralisam e nos transformam em pessoas rígidas e oprimidas.


• Um oprimido que se esconde dele mesmo procurando ser igual ao resto.
• Um oprimido que transforma, por insegurança, o amor em possessão.
• Um oprimido que odeia o que não controla e o que não se ajusta a sua vontade.
• Um oprimido que foge da mudança, no lugar de se enriquecer com ela.
• Um oprimido que teme o futuro e a passagem do tempo no lugar de vivê-lo intensamente.
• Um oprimido que inferioriza os outros para se sentir superior.
• Um oprimido que se refugia em grupos e comunidades em torno das quais cria muralhas que desumanizam os que se encontram fora.


A liberdade pessoal só pode ser plenamente realizada em comunidades que permitem a livre expressão de cada indivíduo. Devemos, portanto, lutar contra toda forma de opressão política e social. Porque o autoritarismo se alimenta do ódio, estigmatiza quem discorda, transforma o opositor em inimigo e os indivíduos em membros de manadas. Lembrando sempre que não há comunidade onde não existe justiça social, pois a pobreza e a opressão geram sofrimento, exclusão e desespero.


Porque aspiramos a ser livres, mas nunca nos desprenderemos totalmente dos desejos de opressão, lembramos as grandezas, nem por isso destituídas por vezes de fraquezas, de nossos antepassados. A todos eles, e a todas as pessoas justas de todos os povos e culturas, que fizeram possível que hoje possamos brindar á vida e a liberdade:

[Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuyanu lazman haze]

Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento.
Autor: Bernardo Sorj
blog: amaivos@uol.com.br


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