Profundos os textos sobre o Pessach, de Bernard Sorj, sociólogo.
Compartilhamos estas mensagens, desejando a todos uma Páscoa libertadora, profunda em insights, com a reflexão sobre todos os tipos de escravidão ao qual estamos sujeitos atualmente e, em relação aos quais, precisamos agir, pois viver é estar em constante travessia.
Páscoa integral a todos,
Marc André da Rocha Keppe e Rosana Luíza Destro Keppe
Instituto Brasileiro de Transpsicanálise S/C Ltda.
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Indicamos para leitura:
estudosjudaicos.blogspot.com
blog: amaivos@uol.com.br
Texto de Bernardo Sorj, sociólogo
No deserto, toda a comunidade de Israel reclamou a Moisés e Arão. Disseram-lhes os israelitas: "Quem dera a mão de Deus não nos tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e comíamos pão à vontade, mas você nos trouxeram a este deserto para fazer morrer de fome toda esta multidão! " (Êxodo 16)
Porque viver é uma luta constante entre liberdade e escravidão, entre a liberdade que nos deixa inseguros, e o desejo de segurança que limita nossa liberdade. Pessach nos lembra de que a vida é uma travessia: Entre o medo ao desconhecido que pode nos mudar. E a curiosidade e a coragem de abrirmos para novos pensamentos e experiências. Entre as expectativas dos outros, E agir de acordo com o que consideramos certo e errado. Entre a insegurança que não nos permitem reconhecer nossos limitações, E a ironia que nos permite rir de nossa forma de ser. Entre a fixação no trauma, E sua superação. Entre as vitrines externas, E a vida interior. Entre se queixar, E agir. Entre o dogmatismo. E a abertura à opinião dos outros. Entre ter E ser. Entre contemplar E possuir. Entre querer tudo E estar satisfeito com o que se tem. Entre o supérfluo E o essencial. Entre impor E dialogar. Entre falar E ouvir. Entre um passado que nos oprime E um passado que nos ensina. Em Pessach aprendemos que o opressor tem delírios de onipotência e, para impor sua vontade, quer dominar e controlar os outros para que se ajustem ao seu desejo; mas, como seres humanos, somos finitos e mortais. E porque somos finitos e mortais, não controlamos o mundo. E porque somos finitos e mortais. vivemos na incerteza. E porque somos finitos e mortais. temos medos, inseguranças e carências afetivas. E porque somos finitos e mortais. o outro é uma fonte de aprendizagem, apoio e alteridade. E, como judeus, devemos sempre lembrar que Pessach nos ensina: Que fomos perseguidos e nunca devemos perseguir. Que fomos humilhados e não devemos humilhar. Que fomos estigmatizados e não devemos estigmatizar. Que fomos oprimidos e não devemos oprimir. Que fomos confinados em guetos e ninguém deve viver em favelas. Que toda escravidão termina em luta pela liberdade. Por isso em Pessach festejamos nossa disposição a sermos livres sem ocultar nem negar nossos medos, inseguranças e carências, e afirmamos nossa vontade de amar e aprender, e os valores da liberdade e da justiça. Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuianu lazman haze. Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento. Bernardo Sorj ********************************* Pessach 5771/2011 Cada ano festejamos Pessach porque a liberdade, para os indivíduos e para a sociedade, é sempre uma travessia, nunca um ponto de chegada, e ela só é possível porque se alimenta do exemplo e das lutas das gerações passadas. Pessach é um momento de reflexão sobre o que nos faz escravos, permitindo que a opressão se instale no nosso interior e nas nossas relações. Por isto festejar a liberdade exige refletir sobre a servidão, sobre o Faraó que cada um leva dentro de si. • O Faraó que só percebe a si mesmo. • O Faraó que deseja que os outros o obedeçam. • O Faraó que não aceita que cada pessoa é diferente. • O Faraó que julga antes de compreender. • O Faraó que divide tudo em certo e errado. • O Faraó que fala para não ouvir. • O Faraó que teme idéias diferentes das suas. • O Faraó que ri dos outros sem ser capaz de rir de si mesmo. • O Faraó que confunde solidez com rigidez. • O Faraó que critica e não aceita ser criticado Pessach nos lembra de que o poder material, econômico ou político, não deve ser confundido com o poder de ser internamente livre. Porque a liberdade não se compra nem se impõe, só pode ser construída por cada um e na convivência, inspirando-se em exemplos, mas seguindo caminhos que são sempre singulares. Por isso: • Só a liberdade nos leva a valorizar perguntas que questionam nossas certezas e a duvidar de respostas que confirmam nossas crenças. • Só a liberdade nos permite amar nossos seres queridos sem querer transforma-los em espelhos de nós mesmos. • Só a liberdade nos permite levar a vida a sério, sem nunca deixar de brincar. • Só a liberdade nos permite aprender coisas diferentes que questionam nossas crenças. • Só a liberdade nos permite entender nossas mudanças e das pessoas que nos circundam. • Só a liberdade nos ensina que a vida nunca se reduz ou pode ser contida em leis e conceitos aparentemente rigorosos. • Só a liberdade nos dá o sentido da ironia e do humor. • Só a liberdade nos permite entender que toda fronteira usada para classificar os outros é precária e que nunca deve ser transformada numa forma de desclassificar. • Só a liberdade permite que a tradição seja uma fonte de sabedoria e não uma camisa de força. A afirmação da liberdade é um caminho que exige rompimentos e distanciamentos de um mundo conhecido e aparentemente seguro. Mas nada pode eliminar a angustia nem as incertezas. Ou nos refugiamos na repetição mecânica e em crenças cegas que sufocam a curiosidade, fogem do desconhecido e temem o que está fora de nosso controle, ou as transformamos numa energia que nos impele a descobrimentos e que nos faz crescer, transformando a vida num processo de aprendizagem permanente. Só podemos lutar contra a servidão se enfrentamos o opressor e o oprimido que cada um de nos carrega. Porque a escravidão individual é produzida por traumas que nos deixam inseguros e por medos que nos paralisam e nos transformam em pessoas rígidas e oprimidas. • Um oprimido que se esconde dele mesmo procurando ser igual ao resto. • Um oprimido que transforma, por insegurança, o amor em possessão. • Um oprimido que odeia o que não controla e o que não se ajusta a sua vontade. • Um oprimido que foge da mudança, no lugar de se enriquecer com ela. • Um oprimido que teme o futuro e a passagem do tempo no lugar de vivê-lo intensamente. • Um oprimido que inferioriza os outros para se sentir superior. • Um oprimido que se refugia em grupos e comunidades em torno das quais cria muralhas que desumanizam os que se encontram fora. A liberdade pessoal só pode ser plenamente realizada em comunidades que permitem a livre expressão de cada indivíduo. Devemos, portanto, lutar contra toda forma de opressão política e social. Porque o autoritarismo se alimenta do ódio, estigmatiza quem discorda, transforma o opositor em inimigo e os indivíduos em membros de manadas. Lembrando sempre que não há comunidade onde não existe justiça social, pois a pobreza e a opressão geram sofrimento, exclusão e desespero. Porque aspiramos a ser livres, mas nunca nos desprenderemos totalmente dos desejos de opressão, lembramos as grandezas, nem por isso destituídas por vezes de fraquezas, de nossos antepassados. A todos eles, e a todas as pessoas justas de todos os povos e culturas, que fizeram possível que hoje possamos brindar á vida e a liberdade: [Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuyanu lazman haze] Que vivemos, que existimos, que chegamos, a este momento. |
Autor: Bernardo Sorj blog: amaivos@uol.com.br |
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