Vilém Flusser, filósofo
"Chamarei de religiosidade nossa capacidade para captar a dimensão sacra do mundo. Embora não seja ela uma capacidade que é comum a todos os homens, é, não obstante, uma capacidade tipicamente humana. Certas pessoas, certas épocas e certas sociedades dispõem de um talento especialmente marcado para a religiosidade. Há pessoas religiosamente surdas, mas não há época nem sociedade inteiramente isentas de religiosidade. Pessoas religiosamente surdas vivem em mundos rasos e chatos, movimentam-se entre coisas transparentes (porque em tese inteiramente explicáveis), e dirigem-se para a morte que torna absurdos os mundos, as coisas e a própria vida. A capacidade religiosa torna profundo o mundo, opacas as coisas (porque nunca inteiramente explicáveis), e torna problemática a morte. A capacidade religiosa torna portanto obscura a visão antes clara do mundo, como a contemplação da paisagem torna obscura a visão clara do mapa. O pintor (aquele que procura captar a visão da paisagem) é portanto um obscurantista do ponto de vista do cartógrafo (aquele que reduz a paisagem à sua clareza plana e chata). E o homem religioso é um obscurantista do ponto de vista daquele que não é incomodado pela visão sacra do mundo. Como a clareza é desejável, há pessoas que abafam dentro de si a voz da religiosidade e vivem como que com óculos escuros para ver mais claramente. Mas como a clareza é chata, há pessoas que fingem um sentimento religioso para o qual não têm capacidade, e vivem enganando-se a si mesmos. Essas duas inautenticidades opostas complicam o fenômeno da religiosidade."
Vilém Flusser nasceu em 1920, na cidade de Praga. Com sua mulher, Edith, migrou para o Brasil, depois de uma breve permanência em Londres, fugindo da máquna de extermínio nazista, no início dos anos 40. Em São Paulo, iniciou sua carreira como filósofo ao publicar seus primeiros livros e artigos nos anos 60, atuando como professor de uma geração de jovens entusiasmados pelo seu estilo de pensar, falar e escrever sobre temas que, segundo ele, estavam remodelando toda a história do ocidente. Como orador, Flusser transcendia a condição temporal da fala, despertando para o vislumbre de certas dimensões atemporais do pensamento. Ele sabia que o arrebatamento era a condição essencial para a percepção do fluxo das coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário